segunda-feira, 30 de julho de 2012

Já ganhou!

Se dependesse da minha decisão, o remador Isaac Ribeiro, um dos atletas brasileiros que aguardam ansiosamente o momento de competir nos Jogos Parolímpicos de Londres dentro de alguns dias, nem precisava participar da prova: para mim, ele já ganhou a medalha de ouro na dura competição da vida.

Aos 27 anos de idade, Isaac é a prova de que, com força de vontade e determinação, o ser humano é capaz de superar os obstáculos mais difíceis. Quando nasceu, os médicos disseram que ele jamais seria capaz de caminhar, por causa de uma deficiência congênita que lhe deformou as pernas. A família já tinha experiência neste tipo de problema, pois um dos quatro irmãos de Isaac também havia nascido com deficiência semelhante. O caçula seria criado num ambiente familiar em que as dificuldades eram encaradas com naturalidade, no pequeno município de Virginia, sul de Minas Gerais, enquanto o pai trabalhava na ordenha do leite e a mãe nas lides de casa.

Depois de três cirurgias, contra todas as previsões médicas, Isaac aprendeu a andar com as próprias pernas, ainda que bastante curvadas. "Mas o que me salvou mesmo foi o esporte", garante ele. O remo só apareceu há relativamente pouco tempo em sua vida. Sua primeira grande paixão foi o futebol. "Fui o melhor goleiro do time de fut-sal de pessoas normais do Virginia Futebol Clube", afirma ele sorrindo, sem qualquer traço de falsa modéstia.  Desta época, traz as melhores recordações, além de muitas marcas no corpo provocadas por quedas no solo duro das quadras.

Foi o amor pelo esporte que o fez deixar a família em Virginia e vir sozinho para o Rio de Janeiro em 2004, de carona num caminhão, para tentar a sorte na vida. Inicialmente se instalou em Niterói, onde se dedicou à prática da natação na Associação Niteroiense dos Deficientes Físicos. Foi uma época de grandes dificuldades financeiras e muitas saudades da família. Para poder se manter e se dedicar aos treinos, Isaac trabalhou na área de lanternagem de uma oficina de carros.

No final de 2006, durante uma competição de futebol no Instituto Benjamin Constant, Isaac conheceu Rafael Ceccon, que dava aulas de educação física para cegos e era também técnico de remo no Botafogo. "Ele me convidou para visitar o clube e aquela foi a primeira vez que eu vi um barco a remo na minha vida", lembra Isaac. "Fiquei encantado com o visual da Lagoa e em pouco tempo me entusiasmei com aquele novo esporte. Resolvi então pegar firme no remo."

Isaac e Rafael Ceccon no clube Botafogo da Lagoa
Com muita disciplina e dedicação, Isaac treinava todos os dias, participando de todas as competições que podia. Sempre alegre e prestativo, logo conquistou a simpatia de todos no clube.

Os bons resultados não tardaram a surgir. Mas em 2007 Isaac teve a maior decepção na sua carreira de atleta: por apenas três segundos, perdeu a prova seletiva para os Jogos Parolímpicos de Pequim. "Fiquei muito triste, mas ao mesmo tempo acho que saí fortalecido dessa derrota. Desde 2009 não perdi mais nenhuma prova seletiva", afirma ele, com justificado orgulho.

Josiane Dias e Isaac Ribeiro: dupla vencedora

Em dupla com a atleta Josiane Dias, em 2010 Isaac obteve o quarto lugar no campeonato mundial de remo da Nova Zelândia. Em maio deste ano, a mesma dupla ganhou medalha de bronze na Regata Internacional de Gavirate, na Itália. E em junho passado eles conquistaram a medalha de prata na Copa do Mundo de Belgrado, na Sérvia, o que os qualificou para os Jogos Parolímpicos de Londres. "Estamos entre os seis melhores competidores do mundo na nossa classe esportiva", diz Isaac. "Nosso objetivo agora é a medalha de ouro. O esporte me ensinou que nada é impossível na vida, se a gente persistir e se dedicar com verdade à conquista dos nossos objetivos."

Os Jogos Parolímpicos, este ano em sua 14a edição, começam pouco depois do encerramento dos Jogos Olímpicos. A abertura vai ser no dia 29 de agosto, em cerimônia especial que contará com a presença da rainha da Inglaterra. Vai ser fácil identificar o Isaac entre os 25 atletas da delegação brasileira na cerimônia de abertura: ele vai ser o único atleta a desfilar pedalando uma bicicleta (os outros usarão cadeiras de rodas). Vamos ficar de olho nesses exemplos de superação e torcer muito por todos eles.


Mas, com ou sem medalhas, para mim meu amigo Isaac já ganhou.






domingo, 15 de julho de 2012

Meia volta, volver

Mal lhe deu tempo para desfazer as malas. Com a mesma rapidez com que resolveu retornar ao Brasil depois de dezoito anos vivendo fora do país, minha filha chegou, olhou ao seu redor, refez as malas e deu meia volta volver.

Assim mesmo: pá-puf!

Em menos de dez dias, já tinha acertado tudo: resolveu aceitar uma (boa) oferta de emprego em Toronto, mandou suspender a mudança que havia contratado para trazer suas coisas ao Brasil  e marcou para dali a duas semanas sua passagem de avião de volta ao Canadá.

Atônitos e impotentes, assistimos a este  turbilhão de decisões inesperadas da nossa filha sem poder fazer muita coisa além de ouvi-la, tentar entender suas razões e oferecer nosso carinho incondicional.

Como é que foi mesmo aquele dia da sua chegada ao Brasil, tão ansiosamente esperado por nós? 
O Rio de Janeiro a recebeu de braços abertos, derramando o sol de inverno maravilhosamente acolhedor sobre praias e montanhas. 




No agitado clima da Rio+20, líderes e representantes de mais de 170 países debatiam a questão da sustentabilidade do planeta, índios da Amazônia andavam de metrô com seus cocares de penas coloridas e


corpos seminus, crianças brincavam felizes nas ruas com a suspensão das aulas nas escolas, o trânsito  fluía surpreendentemente tranquilo por toda a cidade, o navio do Greenpeace fazia protestos barulhentos na baía da Guanabara, shows de música animavam as noites da Lapa, aulas de dança afro aqueciam músculos e apaziguavam corações, exposições de arte encantavam nossos sentidos e, como se tudo isso não bastasse, a festa junina em Santa Teresa ainda teve Moraes Moreira comandando o forró. 




O Rio era uma festa. E nós participávamos de tudo, comendo canjica e bebendo quentão com avidez adolescente, celebrando cada minuto de convivência com nossa filha que a vida nos permitia.

Nada fazia sentido. Tudo fazia sentido.

Faz duas semanas que nos despedimos na porta de embarque do aeroporto do Galeão, entre beijos, abraços e lágrimas confusas. Desde então tenho pensado com frequência nas sábias palavras de Gibran Khalil Gibran: 


Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm atrás de vós, mas não de vós.
E, embora vivam convosco, não vos pertencem.
(...)
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
Para que suas flechas se projetem, rápida e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável.








Crédito da foto dos índios no metrô: AP Photo/Felipe Dana