quinta-feira, 29 de março de 2012

Minha filha está voltando!

Depois de viver dezoito anos fora do Brasil, minha filha finalmente se prepara para voltar ao país em que nasceu. A decisão partiu dela, fruto de reflexão madura, que se estendeu por vários meses. Além de mala e cuia, Bebel traz também muita experiência na bagagem.  Daqui a um mês ela irá embarcar em um avião na cidade de Toronto, Canadá, com destino ao Rio de Janeiro, tendo em mãos somente a passagem de ida.
O périplo internacional da nossa família começou em 1994, quando nos mudamos para a cidade do México, acreditando que ficaríamos só dois anos longe do Brasil. Acabamos ficando catorze. Nossos dois filhos nos acompanharam em alguns momentos. Em outros levaram suas vidas independentes, longe dos nossos olhos, numa longa trajetória pontilhada de incontáveis despedidas e reencontros.
Remexendo nas gavetas, acabo de encontrar esse texto que Bebel escreveu em 1997, quando ela cursava Engenharia em Boston, Estados Unidos, enquanto nós, seus pais, vivíamos do outro lado do mundo, na pequena ilha de Cingapura, Sudeste Asiático.
Hoje, na contagem regressiva dos dias que faltam para seu retorno ao Brasil, a releitura deste texto escrito há quinze anos me faz refletir emocionada sobre a importância da proximidade física com nossas pessoas queridas.


Longe dos meus pais


Cabelo molhado, pé no chão, jantar na cama ao som da TV. Olho para os lados e não há ninguém falando de gripe, de meias, nem de comida na mesa. Minha primeira reação é rir. E rio de mim mesma: deste retrato de uma típica adolescente que mora longe dos pais. No entanto, percebo que meu riso já não carrega a energia de quem conquistou a independência. É um riso meio envergonhado de assumir que eu ainda preciso de colo.

Há mais de dois anos moro sozinha em terras estrangeiras. Meu primeiro ano de “liberdade” me contaminou com a beleza do voar livre e solta. Voei sem medo de altura, sem medo de me perder. Com o tempo, fui criando um medo de voar só, um medo inesperado que brotou junto com o começo de uma vida adulta. De repente, minhas asas estavam pesando toneladas e senti novamente a necessidade de voltar para o aconchego dos braços dos meus pais. Precisava lhes perguntar sobre essa dor nas asas, sobre essa sombra de tristeza que começava a me seguir. Mais do que respostas, eu precisava era da mágica companhia deles. Só que dessa vez eles estavam longe, tão longe, que para chegar até eles e voltar aonde estou daria uma volta ao mundo. Meus pais moram em Cingapura e eu ainda estou me acostumando com a idéia de que todas as vezes em que eu precisar de colo, terei e-mails, cartas e/ou telefonemas.

Cingapura é muito mais do que um país pequenininho perdido na imensidão do continente asiático. É um país que hoje em dia tem duas pessoas maravilhosas caminhando por suas ruas. E, de longe, vivo com a incoerência de meus pensamentos. Meu lado emocional é egoísta e chorão, se sentindo fraco e pobre por não tê-los por perto. Sinto que ainda preciso do apoio diário dos dois para que eu consiga superar a transição para essa nova fase da minha vida. Por outro lado, meu “eu” racional sorri tranquilo e grato por meus pais estarem vivendo uma vida saudável em um país seguro, estável, perto de culturas exóticas e em clima tropical.

Esta vida banhada em saudades ainda me tem de aprendiz. Sei que ninguém consegue se esconder da tristeza da distância, mas também sei que o amor que une uma família vai além do silêncio e da falta do toque. E é de longe que eu choro com eles, que a gente ri e que a gente forma uma família que eu não troco por nada. E é também de longe que eles me passam a energia para eu cuidar de mim mesma… E  já vou secando meus cabelos, colocando meia no pé, apagando a TV, arrumando a cama para uma outra noite de sono… E assim que fecho meus olhos, penso neles abrindo os seus e preparando-se para começar o dia que para mim ainda é amanhã.