segunda-feira, 11 de julho de 2011

Meu banquete literário na Flip

Cheguei ontem da Festa Literária Internacional de Paraty com a cabeça fervilhando de ideias e emoções. Estes cinco dias de palestras literárias, encontros com autores daqui e de fora, reencontros com amigos queridos, música, comes e bebes, teatro, dança e cultura popular todos os anos me alimentam o cérebro, fortalecem o espírito e, invariavelmente, amolecem meu coração.

Para mim, a Flip começa muitos meses antes, com a reserva de um lugar para dormir e a leitura de tudo o que sai nos jornais sobre possíveis convidados e o autor homenageado do ano. Por causa da Flip, o desvairado do Oswald de Andrade, que eu não lia desde os tempos do pré-vestibular, voltou às minhas prateleiras e, na honrosa condição de homenageado de 2011, quase me mata de rir com suas tiradas impossivelmente pós-modernas. Delícia antropofágica.

Pessoalmente, vivenciei muitos momentos mágicos nesta Flip, que mais do que compensaram as quatro horas de estrada sacolejante que separam o Rio de Janeiro do centro histórico de Paraty. Quero destacar apenas cinco dos que mais me emocionaram e que saboreei deliciosamente, como se fossem pratos de um grande banquete. Listo-os aqui em ordem caótica, sem qualquer intenção de comparar um a outro, como convém ao ambiente saudavelmente macunaímico deste ano:

Primeiro Prato - A palestra do professor Antonio Cândido, que abriu a Flip na  noite de quarta-feira - O auditório inteiro se levantou para aplaudir de pé o maior crítico literário do Brasil quando, com a autoridade dos seus 92 anos de idade e robustez intelectual, ele entrou no auditório ainda em penumbra, de mansinho, talvez imaginando que a gente não iria se dar conta de sua chegada. Foram aplausos longos, calorosos, irrecusáveis. Que privilégio estar ali, diante daquele cidadão elegante nas palavras e na postura, do tipo de pessoas que já não se fazem mais, que tinha vindo nos contar sobre o homem Oswald de Andrade, que ele havia conhecido na condição de seu grande amigo pessoal. Não há preço de ingresso que pague este banquete.

Segundo Prato - Os shows de música da  Maria Martha - Qualquer um que passasse em frente à janela da casa da Folha de São Paulo durante o show desta cantora e compositora paulista que mora há anos em Paraty, dificilmente deixava de parar para escutá-la. Muitos, como eu, não resistiam e entravam na casa só para ouvi-la um pouquinho mais. E acabavam ficando um tempão, maravilhados com o timbre delicado de sua voz, a simplicidade sofisticada de seu violão e o belo repertório cuidadosamente colhido entre os melhores nomes da música latinoamericana. Beleza pura.

Terceiro Prato - Meu encontro pessoal com o historiador, escritor e editor mexicano Enrique Krauze - Dou pouca importância a ter livro autografado pelo autor, mas desta vez dei uma de tiete e enfrentei a fila dos autógrafos só para apertar a mão do escritor que me alargou os horizontes como poucos. Li seu Historia de México quando vivia naquele país e acho que foi essa leitura que afinal me fez desistir de mudar os mexicanos, aceitá-los como são e amá-los precisamente por serem maravilhosamente diferentes de mim. Que alegria cumprimentar Enrique Krauze em pessoa, depois de ouvi-lo falar com tanta lucidez política e a precisão elegante que caracteriza o seu uso da linguagem. Órale, maestro! Viva México!


Quarto Prato - Meu abraço num mamulengo de rua - As noites da Flip são tão mágicas como as ilustrações dos contos de histórias infantis. Há poetas declamando pelas esquinas, músicos tocando instrumentos medievais, indígenas vendendo artesanato, procissões religiosas, rodas de maracatu. Quase todos os que participam desses eventos são moradores de Paraty mesmo. E foi assim, rodopiando entre um evento de rua e outro, que caí nos braços de um mamulengo de rua. Upa! Que abraço gostoso!

Quinto Prato - A carta de agradecimento ao Brasil do escritor português valter hugo mãe (escrito assim mesmo, em letras minúsculas) - Antes da Flip, confesso que nunca tinha ouvido falar nesse autor de quarenta anos de idade, que o José Saramago certa vez chamou de "tsunami literário" da língua portuguesa. Nem sequer tinha comprado ingresso para assistir ao debate de sua mesa na Flip, mas na última hora me baixou uma curiosidade repentina de dar uma olhadinha nele. Resolvi, então, me juntar ao pessoal que fica do lado de fora da tenda do telão, pegando "carona" nas palestras sem pagar. Bendita intuição! Foi um dos momentos mais emocionantes de toda a Festa para mim. Junto com quase todos os que estavam ali ao meu lado, chorei  com aquela fala mansa, bonita e singela. Com as lágrimas, me sobrveio também um imenso sentimento de proximidade com Portugal. E com grande ternura, pensei: "valter hugo mãe - meu irmãozinho".