segunda-feira, 4 de abril de 2011

No alto da estupa, aos quatro ventos de Myanmar

Viagem a Myanmar - parte 2

No topo de uma estupa de Bagan, cidade histórica e antiga capital de Myanmar, no Sudeste Asiático, dois fatos surpreendentes e inesquecíveis me aguardavam.





O primeiro foi a estonteante visão de 360 graus da região, com aqueles milhares de templos, pagodes e estupas budistas parcialmente encobertos pela névoa, a perder de vista na planície empoeirada. Nenhuma foto, nenhum livro - nem mesmo filme algum - nos prepara para o deslumbramento que a paisagem mágica nos reserva, ali a nossos pés. 




São nada menos de 4.400 edificações budistas construídas no transcorrer de apenas um século, há oitocentos anos atrás. Cada uma delas tem uma história diferente a contar - de devoção espiritual, vaidade ou ambição política. Foi do alto daquela estupa de Bagan que entendi perfeitamente o significado da palavra "estupendo".  Salpicados por quarenta quilômetros quadrados, aqueles monumentos desafiam qualquer tentativa de explicação racional. São de tipos variados: imensos, diminutos, em tijolo vermelho, pintados de branco, decorados em ouro, despojados, grandiosos ou simples ruínas. Os chamados templos possuem galerias com uma infinidade de imagens de Buda e alguns  são decorados com pinturas murais. 




Já os pagodes e as estupas são construções sólidas, ou seja, não podemos entrar dentro delas. Dizem que inicialmente eram construídas como repositórios de relíquias ou oferendas, não necessariamente valiosas, com o objetivo de se ganhar "crédito cármico".  Ai daquele que destruir uma estupa! Estará condenado a voltar atrás muitos passos na longa e penosa caminhada à perfeição. 


As estupas não abrigam restos mortais nem contêm oratórios. Elas  me dão a simpática impressão de que foram construídas simplesmente para nos indicar a direção ao céu. "Ei, vocês aí de baixo! Olhem aqui para cima", parecem nos dizer.



A segunda surpresa que me aguardava lá no alto, muito menos edificante que a primeira, aconteceu quando ainda tentávamos ajustar a visão para abarcar tanta beleza e magia.  Mal havíamos nos equilibrado de pé no topo da nossa estupa, ainda resfolegantes com o esforço da subida,  fomos bruscamente abordados por dois jovens vendedores de souvenirs que estavam ali escondidos, aguardando nossa chegada:

- Where are you from?


Ai, meu Buda! Essa não! Querem saber de que país somos? Ora, tenham dó... Nenhum turista merece isso, principalmente depois de galgar tantos degraus até o topo da estupa!  

A técnica dos jovens para atrair compradores é tão surrada que, para ser sincera, até sinto um pouco de pena deles. Mas logo penso no estrago que fizeram, quebrando a poesia da paisagem quase mística que nos rodeava. Meu coração se endurece. Para me vingar do anticlímax, em vez de lhes responder à pergunta, rebato com outra:

- De que país vocês acham que somos? 

O desafio cativou a atenção dos dois. Ficaram quase doidos: França? Não. Alemanha? Não. Itália?

- Nenhum desses. Nosso país não fica na Europa.

E seguiram desfiando o rosário de nomes de países que estavam acostumados a ouvir no contato com turistas. Estados Unidos? Não. Canadá? Não. Austrália? Nova Zelândia? A cada negativa, o interesse dos dois rapazes aumentava. Notei que não haviam mencionado nenhum país da América Latina, de onde poucos turistas deviam chegar ao belo país asiático, mas achei melhor não dizer nada. 


E os dois continuaram:

- Espanha?... Inglaterra?...

- Eu já não lhes disse que não ficava na Europa?

Um deles, exaurido, fez cara de quem jogava a toalha. O outro perguntou timidamente, como se aquela fosse a última opção possível:

- ...Bagan?...

Todos rimos com o senso de humor dele. Resolvi ajudá-los e dar uma boa dica:

- Vocês gostam de jogar...?

Eu ia dizer “futebol”, mas não houve nem  tempo de terminar a pergunta. De alguma forma a palavra  brotou repentina entre nós, como uma senha mágica. Em fração de segundo, um dos rapazes abriu um sorriso e gritou desinibido, com o vigor de quem chuta a bola certeira no gol:

- Brasiiiiiiil!!!

Fico até constrangida de confessar, mas foi no alto daquela estupa em Bagan, rodeada por um dos cenários mais fantásticos construídos pelo homem que já tive o privilégio de contemplar, que senti o poder barato  que as distâncias geográficas às vezes exercem no emocional da gente.

Só sei dizer que foi doce ouvir o nome do meu país tão distante, gritado com entusiasmo por um jovem birmanês, aos quatro ventos de Myanmar...

5 comentários:

Jane Maia Weinberg disse...

Pois é, Monica, no Nepal os meninos também reagiam da mesma forma quando sabiam que éramos do Brasil! E nos crivavam com uma saraivada de perguntas sobre Ronaldo, Romário, essas coisas... Muito gostoso ler sua impressões sobre as Stupas do Myanmar, que não conheço, mas fiquei com vontade. Talvez v. tenha voltado de lá como voltei do Nepal: em estado de graça! Eu sou amiga da Cris Nadruz e budista. Obrigada por partilhar.

Monipin disse...

Jane, obrigada pelo seu comentário. Para falar a verdade, não sei bem se estou em "estado de graça", como você diz, pois a população de Myanmar vive numa precariedade indescritível, em todos os níveis. Mas com certeza estou com a cabeça fervilhando de informações, idéias, emoções. Assim como parece ter sido sua experiência no Nepal, há viagens que nos transformam e nos enriquecem por dentro. Esta foi uma delas. Como budista você deve colocar Myanmar nos seus planos futuros de viagem. Não há país mais budista em todo o planeta. É um povo adorável. Boa sorte... e muitas outras viagens enriquecedoras para você!

Risoleta Medrado disse...

Monica querida, me senti lá no topo também,participando da curiosidade dos meninos e vendo aquele mar de estupas.Quero mais fotos1 Bjs

Anônimo disse...

Monica querida,

Que maravilha de relatos!
Parece até que eu também estava lá.

Beijo grande,
Vera Dantas

Anônimo disse...

Que cenários fantásticos, Monica!

Imagino o que seja a precariedade em que vivem as pessoas, como você comenta com a Jane. Mas deve ser impossível que um lugar desse não faça aflorar a espiritualidade dos visitantes. Adorei viajar nas suas fotos e no seu texto. Achei ótimo o "Ai, meu Buda!"... acho que vou adotar a expressão.;-) Beijos