segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Meu vendedor de frutas - Saudades da minha Nova York (4)


Diante da pequena banca de frutas, na esquina da Terceira Avenida com a rua 77, Buhca logo me chamou a atenção pelo sorriso simpático com que recebia os fregueses, quaisquer que fossem as condições climáticas do momento - sol, chuva, vento, neve. Às vezes fazia um frio cruel de manhã cedo, mas, para o sorriso de Buhca, não havia tempo ruim. Seu bom humor era infalível e contagiava a todos os que passavam por ali.

Buhca nasceu no Nepal e veio para os Estados Unidos morar com o pai e a madrasta, em busca de uma vida melhor. A mãe - contou-me certa vez - sofria de uma doença que a havia deixado paralisada e, por esse motivo, não pôde emigrar com a família. "Mas eu tenho mãe, ela não morreu", fez questão que eu soubesse. "Só que ela não pode vir até aqui para ficar comigo."

Era difícil calcular ao certo a idade de Buhca - talvez alguma coisa entre 20 e 30 anos. Por trás do sorriso no rosto jovem, havia uma tristeza suave, indefinível, de quem já havia sofrido mais do que devia.

A cada dois ou três dias, depois de sair do metrô da linha 6 na Lexington Street, eu passava pela sua banca e comprava dois ou três tipos de frutas a caminho de casa. Maçãs, morangos, bananas e amoras sempre me pareciam apetitosos. Os abacaxis, entretanto, eram invariavelmente caros e azedos. Outubro era o mês dos romãs - imensos, vermelhos, suculentos... irresistíveis.
Desde as primeiras horas do dia até o anoitecer, Buhca estava sempre por lá, pronto para me ajudar na escollha: "Hoje a manga não está muito boa: leve a pera, que é melhor." No final da compra, Buhca invariavelmente colocava  mais duas ou três frutas de "brinde" dentro da minha sacola, longe dos olhos dos outros fregueses. Eu sempre ralhava com ele, em tom de brincadeira: "Chega, Buhca! Desse jeito você nunca vai ficar rico!"  E ele ria, satisfeito com o nosso pequeno ritual.

Às vezes a gente conversava sobre futebol e Copa do Mundo -  uma linguagem quase secreta, que nos aproximava como estrangeiros no país onde ninguém se interessa pelo esporte bretão. Certa vez, depois de uma viagem de férias ao Brasil, eu lhe trouxe de presente uma camiseta da seleção brasileira. Desconfio que, nesse dia, o Brasil ganhou mais um torcedor incondicional para os jogos da Copa.

Com Buhca aprendi a dizer "obrigado" em nepalês: "danibat". Era assim que eu encerrava o nosso diálogo pontual, antes de voltar para casa, carregada de frutas da estação.

Nesta próxima viagem a Nova York, um dos lugares que mais tenho vontade de rever é a pequena banca de frutas do meu amigo Buhca. Será que, depois de todo esse tempo, ele ainda vai estar naquela esquina do Upper East Side, vendendo frutas com sorrisos?

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Sim, lá estava Buhca no lugar de sempre, em sua banca de frutas na esquina da Terceira Avenida com a rua 77, atendendo a todos os fregueses com um sorriso!

Foi muito gostoso rever meu amigo fruteiro nesta viagem a Nova York e ser logo reconhecida por ele em meio a tantos passantes, como se nunca tivesse saído de lá. "Hello! Are you back from Brazil?", perguntou ele entre alegre e surpreso, quando me viu na calçada.

Depois do abraço e da foto tirada por minha amiga Barbara, ele foi logo anunciando: "I have a surprise for you." Tirou do bolso seu telefone celular e em seguida me mostrou a foto de dois jovens abraçados no dia do casamento, sorrindo felizes para a câmera. "I got married!", disse ele, orgulhoso.

Contou que sua jovem esposa era filipina se chamava Rosemarie. Depois me perguntou pela família e pela vida no Brasil.

Por fim, decidi comprar umas uvas para comer mais tarde no hotel. Depois que paguei por elas, Buhca ainda encheu minha sacola de frutas de "brinde", como sempre fazia: duas maçãs, dois kiwis, duas laranjas. Como sempre também, ralhei com ele: "Desse jeito, você jamais vai ficar rico!"

E nos despedimos com um grande sorriso, felizes com o reencontro.




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