segunda-feira, 21 de junho de 2010

Maradona, a alegria da Copa

Não há como negar: depois das primeiras duas rodadas, a grande estrela desta Copa se chama Diego Maradona. Quase irreconhecível em seu terno cinza e gravata, muitos quilos mais magro e cheio de energia vital, o técnico da equipe argentina parece ter ressurgido do quinto dos infernos. Aquele baixinho abusado stá diabolicamente alerta, correndo para cima e para baixo junto à linha do campo onde os jogadores argentinos dão seu show de bola habitual. Nem de longe lembra a trágica figura de alguns anos atrás - aquele homem precoce e tristemente derrotado pelos excessos da fama, da cocaína e do álcool.

Maradona é o técnico que qualquer torcida gostaria de ver no comando do seu time: autoconfiante, engraçado, destemido e, além de tudo - pelo que se viu até o momento nesta Copa - competente. Ele trouxe de volta a alegria aos bancos da comissão técnica e nos faz rir a todos nós, torcedores de diversas nacionalidades.

Por tudo isso resolvi alugar na videolocadora um documentário sobre a vida deste atleta a quem os argentinos atribuem a glória de ter marcado o "gol do século" - aquele contra a Inglaterra na Copa de 1986, que contou com a ajudinha da "mão de Deus". Trata-se de um filme produzido em 2008 pela França e Espanha, sob a direção do sérvio Emir Kusturica, o mesmo que ganhou o Palma de Ouro de Cannes pelo excelente "Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios" nos anos 80.

O documentário se chama "Maradona" e desde logo quero avisar que está longe de ser excelente como os outros filmes dirigidos por Kusturica. Aqui o diretor consegue ter um ego ainda maior que o do Maradona e não sai da frente da câmera. O filme é cheio de exageros e hipérboles desnecessárias, apelando para a dramaticidade rasteira dos argentinos. Além disso, a postura política do Maradona  mostra-se panfletária e quase infantil, com amplos espaços cedidos a Fidel Castro e alguns insuportáveis discursos de palanque de Hugo Chávez e Evo Morales. Mas, dadas as circunstâncias, é um filme que merece ser visto nestes dias em que o mundo inteiro está ligado nas emoções do futebol.

É particularmente emocionante ver o lado familiar de Maradona através das imagens de vídeos caseiros, como as cenas em que ele dança apaixonado com sua namorada (e futura esposa) Claudia e aquelas em que brinca com as duas filhas ainda pequenas, Dalma e Giannina. Algumas entrevistas em que ele fala abertamente da sua dor por ter perdido momentos preciosos da convivência familiar, devido à dependência das drogas, são de cortar o coração. "Yo estaba muerto", confessa Maradona, que há seis anos acabou se divorciando de Claudia, mas parece ter se reconciliado com as filhas, agora adultas.

Maradona não é nem de longe uma figura exemplar, nem faz questão de parecer ser. Mas sua vida é indiscutivelmente fascinante, repleta de altos e baixos tão surpreendentes quanto os lances mirabolantes que faz com a bola.

Fora do campo, é uma história que nos faz refletir sobre as escolhas que fazemos ao longo das nossas vidas.

Para mim, Maradona é o grande destaque da Copa até o momento.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Na rua do Jogo da Bola, sem pressa de Copa do Mundo

Poucas ruas no mundo tem um nome tão simpático: rua do Jogo da Bola. E também são poucos os cariocas que são capazes de dizer onde fica essa rua, que é dos tempos do Brasil colonial.

É uma rua pequena e estreita, encravada no Morro da Conceição, a poucos passos da Praça Mauá, no centro histórico do Rio de Janeiro. Ali os portugueses costumavam praticar o antigo jogo de "bocha" (bola) num campo de terra batida. Este jogo, que até hoje é praticado em vários países, utiliza bolas pequenas e pesadas. E não tem nada a ver com o futebol.

O nome da rua pegou. O calçamento se modernizou (agora é de paralelepípedos), mas a rua continua tranquila e residencial como sempre foi: de tão estreita, só permite a passagem de um carro de cada vez. Quem tiver pressa, que procure outra freguesia, pois o ritmo da rua do Jogo da Bola nem de longe se compara ao de uma Copa do Mundo. Ali os vizinhos se conhecem pelo nome, o padeiro entrega o pão na porta das casas e as crianças brincam de pular corda, bola de gude e soltar pipa até a mãe chamar para dentro. E tem mais: todos os dias, às 6 horas da tarde, a igreja Nossa Senhora da Conceição toca a Ave Maria.

Tem gente aí duvidando? Ora, pois pois... Meninos, eu vi!

Estive lá essa semana, num passeio a pé pelo centro histórico do Rio de Janeiro, que me deixou ao mesmo tempo encantada e perplexa. Como é que eu, nascida e criada aqui, nunca havia subido aquele morro, onde se escreveram as primeiras histórias da minha cidade? Depois de revisitar o belo Mosteiro de São Bento, atravessei a avenida Rio Branco, subi os degraus de uma escadaria de concreto, desinteressante e escura e, de repente... me vi transportada para uma pequena cidade do interior, num passado indefinido.

No instante em que cheguei ao último degrau da escadaria, as imagens que surgiram à minha frente me pareceram tão incongruentes com as do centro do Rio, que senti vontade de rir:  de uma hora para a outra, mudaram as cores, os barulhos, as pessoas, a paisagem, o ritmo de vida. Vi um gato dormindo enrodilhado na capota de um carro, indiferente à presença dos seres humanos, e me senti a própria Alice no País das Maravilhas depois de ter caído naquele poço e saído pelo lado mágico.

Nas placas de rua do Morro da Conceição vi também outros nomes simpáticos, como Ladeira do Escorrega e Travessa do Sereno. E como foi bom ver a garotada brincando despreocupada nas ruas do Rio de Janeiro... Foi divertido ficar ali sem pressa, enquanto as crianças do bairro brincavam de escorregar pela Pedra do Sal abaixo, felizes e indiferentes à trabalheira que as mães com certeza teriam mais tarde para lavar aqueles fundilhos desgraçadamente encardidos!

domingo, 6 de junho de 2010

Cantarolando Verdi no Rio de Janeiro

Nas escadarias do Theatro Municipal do Rio de Janeiro espero ansiosa a abertura dos portões para assistir à ópera Il Trovatore de Verdi. Estou no meio de centenas de homens e mulheres que, como eu, tiraram do fundo do armário casacos e écharpes para enfrentar o friozinho inusitado desta noite de outono carioca. Ali na rua, enquanto aguardo, aproveito para admirar os detalhes da arquitetura imponente, os vitrais novamente translúcidos e coloridos, o ouro dos adornos centenários. Estou de boca aberta, olhando para o alto, esquecida de tudo.

O grito do vendedor de balas me tira do devaneio: "Olhaí, gente! São TRÊS horas de ópera! Para aguentar esse tempo todo é melhor vocês levarem umas balinhas, porque lá dentro vocês não vão encontrar nada disso não!" O tom é de quem-avisa-amigo-é, como se quisesse nos salvar a todos de uma desgraça inevitável. Resisto ao aviso do baleiro e continuo firme no propósito de "enfrentar" as três horas de canto lírico, com ou sem balas de hortelã para me manter acordada.

Na verdade, estou encantada com esta oportunidade rara de assistir na minha cidade a uma ópera, um gênero artístico que aprendi a apreciar nos anos que vivi em Nova York. Justo uma ópera de Verdi - meu compositor favorito! E ainda por cima com cenografia da Bia Lessa, essa talentosa recriadora de palcos do nosso país! Estou tão feliz, que começo a cantarolar mentalmente o famoso coral das bigornas de Il Trovatore e já nem penso mais na verdadeira guerra que tive que enfrentar para conseguir ingressos para esta última noite da temporada. Para chegar até aqui, há dias tive que suportar filas imensamente desorganizadas tanto no guichê do teatro quanto no site da Internet. Bem, deixa para lá. O importante é que agora estou aqui na porta do teatro, a poucos minutos da música de Verdi.

Os portões finalmente se abrem e, quando me vejo diante do foyer magnífico, restaurado em todo o esplendor do Rio de Janeiro de Pereira Passos do início do século XX, logo me esqueço daquelas balinhas de hortelã que pensava em comprar.

As três horas de ópera previstas pelo baleiro simplesmente voaram. Meus olhos e ouvidos buscavam ávidos cada detalhe da noite, tentando armazenar na memória as emoções que poucas formas artísticas podem produzir com tanto vigor. Tenho que confessar que os figurinos e a cenografia me comoveram pelo esforço heróico de se combinar parcimônia de recursos com grandiloquência de gestos. É missão quase impossível, já que ópera e minimalismo definitivamente não combinam. Mas há momentos de uma beleza incomum, como aqueles em que figurantes permanecem suspensos no ar, formando um cenário humano entre luzes e sombras competentes.

O libretto da ópera, eu sei, é de um ridículo atroz. Ele nos fala de ciganos com poderes mágicos, bruxa queimada em fogueira, bebês trocados, suicídio por amor impossível. É difícil imaginar uma história pior. Entretanto ela nos revela a alma romântica de uma época que se derramou no tempo, mas que na verdade, como a bruxaria dos seus enredos mágicos, nunca desapareceu por completo. Em compensação, a música de Verdi... ah, que luxo para os nossos sentidos! Essa, sim, é indiscutivelmente atemporal, universal e sublime.

Acordei hoje cedo cantarolando novamente o coral das bigornas. Penso como foi apropriada a escolha dessa ópera específica para reabrir o Theatro Municipal e acho graça na idéia que me vem à cabeça. Bigornas e martelos tem tudo a ver com aquilo. Afinal de contas, a reforma do teatro reflete o esforço de centenas de trabalhadores anônimos, que ficaram martelando aquela estrutura centenária durante dois anos, para que enfim a gente pudesse usufruir do nosso teatro, com a mesma grandiosidade que tinha quando foi inaugurado em 1909.

Bravo!


Quem quiser relembrar o famoso coral das bigornas de  O Trovador pode clicar aqui e assistir à montagem apresentada no Metropolitan de Nova York que encontrei no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=-1YsHzTv7mg.