quinta-feira, 15 de abril de 2010

Cineminha básico em Santa Teresa

Conterrâneos cariocas, acordem! E tem que ser rápido, porque a nossa cidade está sendo tomada por forasteiros de todas as partes do globo. Turistas que não falam uma palavra de Português, nem tem a menor noção das diferenças existentes entre as Zonas Norte, Sul e Oeste, estão sabendo aproveitar as atrações da nossa cidade melhor do que a gente.

Percebi isso quando, na terça-feira passada, me armei de ânimo e coragem para ir ao cinema em Santa Teresa. A simples decisão de ir até lá me fez sentir uma estrangeira dentro de minha própria cidade: consultei cuidadosamente o mapa no Google, verifiquei a localização e o tamanho das favelas da redondeza, planejei levar uma bolsa pequena com a menor quantidade possível de coisas e indaguei sobre a existência de estacionamentos pagos. No final, resolvi pegar logo um táxi e eliminar boa parte das minhas inseguranças. Fui.

O filme que me fez sair de casa e atravessar metade da cidade nessa noite de semana foi o documentário sobre o poeta matogrossense Manoel de Barros, hoje com 93 anos de idade, dirigido por Pedro Cezar. Além da extraordinária qualidade da poesia desse homem do Pantanal, também me atraiu o título do filme, adorável:  "Só dez por cento é mentira". A crítica tem aplaudido sem reservas este  ótimo documentário, que aqui no Rio está em cartaz há várias semanas... mas somente naquela lonjura de cinema de bairro, onde Judas perdeu as botas e o bondinho faz a curva. Eu precisava ir lá conferir, antes que o filme saísse de cartaz.

Que bom que eu fui. Encontrei um Largo do Guimarães quase vazio, bem como a sala do cine Santa Teresa. Em compensação, o premiado documentário lotou minha imaginação com idéias novas. A riqueza da poesia de Manoel de Barros - forte, concreta, marota, sensível, engraçada - estimulou meus sentidos como poucos roteiros milionários de cinema são capazes de fazer.

Será que este homem existe mesmo... ou será que é invenção da mídia? "Tudo o que eu não invento é falso", garante o poeta, embaralhando meus neurônios. Não entendo muito bem, mas também não duvido nem um pouco.

Amei o filme. Sei que nem todo o mundo gosta de poesia e este documentário trata muito mais da beleza das palavras do que da biografia do homem que as escreveu,  numa linguagem singela e maluca que alguns chamam de "idioleto manoelês". Por isso não vou exortar ninguém a ir vê-lo. Este não é um filme para atrair multidões, mas posso garantir que aqueles que tiverem o coração aberto para o inusitado vão se deixar seduzir pelas palavras de Manoel de Barros, o escritor que mais vende poesia no Brasil.

Terminado o filme, lá estou eu de volta no largo vazio, bem no centro da boemia de Santa Teresa. Nos fins de semana aquilo ali fervilha, mas numa simples terça-feira à noite não há ninguém por ali.

"Ninguém"? Que estou dizendo? Ouço um rabo de conversa em Francês na calçada estreita. O casal de turistas passa por mim apressado e entra confiante no casarão antigo, decorado com cores alegres. Entro também - pourquoi pas? O ambiente é convidativo e o nome do restaurante, de uma imodéstia deliciosa: Sobrenatural.

Além dos franceses, nas mesas do restaurante vejo também um pequeno grupo de garotas em férias, um casal de pele muito alva falando Inglês e outro casal, de cores de pele contrastantes e continentes opostos, conversando na linguagem universal dos gestos. O garçom é um nordestino simpático que, de tão acostumado a ouvir os mais variados sotaques por ali, quase me toma por forasteira também. Logo se dá conta de que sou tão brasileira quanto ele, mas parece inteiramente convicto de que não moro aqui na cidade: "Da próxima vez que a senhora vier para o Rio, sugiro que prove a nossa moqueca." Mas eu quero mesmo é provar o arroz de brócolis com lula. E não me arrependo! Que delícia de prato, grande pedida.

Cadê os cariocas nas ruas da nossa cidade? Tudo bem, a questão da segurança não é fácil, eu sei. Mas talvez a gente esteja exagerando um pouco. Cada vez mais, diminuímos o raio da área em que circulamos no nosso dia a dia e a cidade acaba encolhendo a um nível quase provinciano.

Tive a curiosidade de ler algumas páginas dos guias turísticos que os viajantes estrangeiros consultam antes de vir à nossa cidade. Sabem o que o Guide du Routard diz de Santa Teresa? Que é "o Montmartre do Rio de Janeiro". No Frommer's, o bairro é definido com uma expressão urbano-chic: "uber-funky neighborhood". Os elogios são muitos. As recomendações com a segurança também estão lá, mas aparecem em uma seção introdutória, sem alarmismos. E os turistas de fora se sentem no direito de passear pela nossa bela cidade de um jeito que nós, cariocas, raramente ousamos fazer.

É claro que alguns desses turistas tornam-se vítimas da insegurança que assola o Rio de Janeiro - o noticiário dos jornais não nos deixa esquecer da triste realidade. Mas também, convenhamos, são muitas as histórias de turistas brasileiros que se tornaram vítimas da malandragem em outras terras.  Nem por isso desistimos de apostar na alegria quando atravessamos fronteiras.

Sugiro o seguinte aos meus conterrâneos cariocas: no próximo fim de semana, imaginem que vocês moram em outra cidade e resolvem tirar dois dias de férias para passear no Rio de Janeiro. Antes de sair, consultem o Quatro Rodas - ou outro guia turístico qualquer - , calcem um par de sapatos tênis velhos e confortáveis e caminhem pelas ruas da nossa cidade, de olhos bem abertos, como qualquer turista. Visitem Santa Teresa... o morro da Conceição... a velha Lapa... as igrejas barrocas do centro da cidade... Bon voyage! Have a nice trip! Nós também merecemos. 


(Eu sei, eu sei: agora não dá para subir o morro do Corcovado, que vai ficar interditado pelos próximos seis meses por causa dos estragos terríveis da chuva. Deixemos esse passeio para as próximas "férias"!)

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