terça-feira, 16 de março de 2010

Dois filmes que mexeram comigo

Ontem fui ver o excelente filme argentino "O Segredo dos Seus Olhos", vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro. Saí de lá com a sensação de que o diretor Juan José Campanella (que também dirigiu "O Filho da Noiva") havia desnudado a alma dos argentinos diante do mundo, sem o menor pudor. Lá estavam nuestros hermanos del sur, bem ali na nossa frente em tremendo close-up, com suas imperfeições, inseguranças, canalhices, fraquezas... tudo isso exposto com um senso de humor adorável, que nos faz render à simpática cafajestagem dos argentinos que nós, brasileiros, tanto gostamos de odiar.

Ai, desgraciados! Os argentinos ganharam seu segundo Oscar de melhor filme estrangeiro! (O primeiro foi em 1985, com outro filme extraordinário, impossível de se esquecer, "A História Oficial".)   E nós? Cadê o cinema nacional? Será que vamos ter que amargar essa humilhação e ficar só com a glória do nosso futebol?


Bueno, ni modo... Não adianta espernear: os argentinos estão mesmo à nossa frente nos louros do cinema internacional.

***
Mas - calma! - sinto que nem tudo está perdido. Na mesma sessão de ontem, no Estação Ipanema, pude assistir ao trailer de um filme brasileiro que me deixou verdadeiramente emocionada: "Sonhos Roubados", de Sandra Werneck. Duas razões muito diferentes contribuíram para eu me sentir mexida assim:

1) A primeira razão é o próprio tema do filme, doloroso e urgente, como um tapa na cara de qualquer carioca minimamente responsável: o que leva meninas adolescentes das comunidades carentes do Rio de Janeiro à prostituição, permitindo que seus sonhos sejam roubados. Até que enfim, vem aí um filme com tema feminino, dirigido por uma mulher, com base num livro-reportagem escrito por outra mulher, a jornalista Eliana Trindade. Já era tempo de se mostrar o que acontece no outro lado da vida das nossas cidades de Deus.

2) A segunda razão desse trailer ter mexido tanto comigo é de ordem exclusivamente pessoal. Sandra Werneck e eu fomos colegas de turma nos primeiros tempos de colégio. Aprendemos a ler e a brincar juntas. Por vários anos convivemos diariamente nas aulas de português, matemática, religião, moral e patriotismo, como faziam então as meninas "de boa família" da Zona Sul carioca. Lembro-me da Sandra sempre risonha e inquieta, de cabelos curtos, com uns óculos de aros vermelhos que, por algum motivo, me fascinavam. (Não sei por que até hoje me lembro da cor desses óculos!). Também me lembro bem de uma festa de aniversário que ela deu no Yatch Club, que me deixou deslumbrada pela beleza do ambiente cheio de luzes e alegria, aquele ar fresco à beira da marina. 

Um belo dia, sem que nos fosse dada qualquer explicação no colégio, Sandra nos deixou e nunca mais nos vimos. Devíamos ter talvez uns dez anos de idade. Só voltei a vê-la muitos anos mais tarde, nas fotos publicadas em jornais e revistas, rodeada de celebridades, recebendo aplausos, agradecendo prêmios. Já não usava óculos, mas o rosto mantinha a mesma expressão da criança que havia sido. 

Há pouco tempo atrás, uma das "meninas" da nossa turma conseguiu entrar em contato com ela para convidá-la a participar de uma das nossas reuniões. A resposta veio por vias indiretas, mas foi clara: infelizmente estava muito ocupada,  não poderia comparecer, obrigada.

Percebo e respeito as razões não ditas. Mas dentro de mim fica uma sensação levemente incômoda, como se parte da nossa infância nos tivesse sido roubada.

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